sexta-feira, 13 de julho de 2012

FALTA RESPEITO A VIDA HUMANA

Justiça manda esvaziar clínica psiquiátrica em Jacarepaguá

Todos os 136 pacientes terão que ser transferidos de unidade, onde vivem em condições degradantes

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A fachada da Clínica das Amendoeiras, em Jacarepaguá: pacientes foram flagrados nus, em meio a fezes, durante vistoria feita pelo MP em maio
Foto: Guilherme Leporace / O Globo
A fachada da Clínica das Amendoeiras, em Jacarepaguá: pacientes foram flagrados nus, em meio a fezes, durante vistoria feita pelo MP em maioGUILHERME LEPORACE / O GLOBO
RIO - A Justiça concedeu uma liminar, a pedido do Ministério Público estadual, determinando a transferência de todos os 136 pacientes psiquiátricos da Clínica das Amendoeiras, em Jacarepaguá, que é credenciada pelo SUS, para outras unidades de saúde. Conforme inspeção feita no local em maio, os internos não recebem os cuidados devidos e vivem em ambiente degradante, com falta de higiene e nutrição inadequada. A sentença, de sexta-feira passada, obriga as secretarias municipal e estadual de Saúde a fazerem as transferências até setembro. Se a decisão não for cumprida, será cobrada multa diária de R$ 8 mil.
A clínica, que existe há pelo menos 20 anos, já tinha sido interditada em dezembro passado pela Vigilância Sanitária do estado. A ação do MP foi movida pela 3 Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Saúde da Capital. Segundo a promotora Anabelle Macedo da Silva, na vistoria realizada em maio ela viu “pessoas nuas se arrastando pelo chão sobre suas próprias fezes”. Além disso, de acordo com Anabelle, a clínica é escura, as portas ficam trancadas, não há terapias ocupacionais, atividades em grupo ou de lazer, nem acompanhamento psicológico. A estrutura física também é deficiente, e faltam cuidadores e profissionais de saúde.
— Dada essa realidade de total violação da Lei Antimanicomial (10.216/01), foi proposta uma ação civil pública com o objetivo de transferir os pacientes de modo emergencial para residências terapêuticas com vinculação aos Centros de Atenção Psicossocial (Caps). A decisão liminar estabelece que a clínica precisa, até o seu fechamento, garantir condições mínimas de assistência aos pacientes, como alimentação e atendimento por médicos, assistentes sociais e psicólogos — informou a promotora, que classificou a situação em que encontrou os pacientes como desumana e degradante.
Ainda de acordo com Anabelle, pelo menos 50 internos já estão sendo transferidos pelo município para outras unidades públicas. Além das residências terapêuticas, o Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira deverá receber os internos. Segundo a promotora, os parentes dos pacientes também podem solicitar a transferência para clínicas da sua preferência. No entanto, muitos doentes nem têm referências familiares e dependem totalmente do atendimento oferecido pelo poder público.
— Alguns pacientes até têm parentes ou outras pessoas próximas, mas eles não têm recursos financeiros para optar por clínicas melhores — acrescentou Anabelle.
Pacientes vêm da Baixada e de cidades do interior
Apesar de ser particular, a Clínica das Amendoeiras recebe apenas pacientes encaminhados por órgãos municipais de saúde do interior do Rio e da Baixada Fluminense. Por esse motivo, o governo estadual foi incluído como réu no processo na 14ª Vara de Fazenda da Capital. A promotora contou que fez uma reunião com parentes de pacientes internados e com representantes das secretarias municipal e estadual de Saúde, além de entidades de defesa dos direitos humanos.
— O Ministério Público realizará novas inspeções, reuniões com a associação dos familiares e também com ambas as secretarias, para que elas apresentem os dados sobre a transferência. Também serão inspecionadas as unidades para onde os pacientes forem transferidos — disse a promotora.
Procurada pelo GLOBO, a direção da clínica não retornou as ligações. Já o presidente da Associação de Familiares e Amigos dos Pacientes da Clínica das Amendoeiras, Leidener da Rocha Sardinha, afirmou que o local não tem condições dignas para o tratamento dos pacientes.
— Na clínica, faltam higiene, estrutura física, cuidadores e até amor aos pacientes. Há necessidade de uma atitude imediata para ajudar os internos, mas os familiares temem que não existam lugares suficientes na rede pública para abrigá-los — disse Leidener.
Irregularidades já tinham sido flagradas em 2005
Pacientes contidos com camisas de força improvisadas, mantas sujas de fezes e problemas de infraestrutura. Os problemas na Clínica das Amendoeiras já foram flagrados em 2005, durante uma visita da vice-presidência da Comissão de Saúde da Câmara dos Vereadores. Na ocasião, integrantes do grupo denunciaram a situação ao Ministério Público estadual e à Câmara Técnica de Psiquiatria do Conselho Regional de Medicina. No mesmo ano, a mãe de um ex-paciente da unidade disse que o filho sofria violência física por parte de outros internos — o que mostraria a falta de atenção dos funcionários com os doentes.
Em 2006, a clínica voltou a ser alvo de denúncia, dessa vez feita pela família de um paciente de 24 anos. A suspeita era que ele tinha sofrido violência sexual. Segundo os parentes, o rapaz teria sido agredido por outros pacientes por mais de um ano. A direção da unidade abriu uma sindicância para apurar o caso.
Já em dezembro passado, houve denúncias das comissões de Direitos Humanos da Alerj e da Câmara dos Vereadores de que os então 138 pacientes viviam em condições precárias na clínica. Faltavam funcionários, comida e higiene básica. Na mesma época, durante vistoria da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra a Saúde Pública, foram encontrados e apreendidos medicamentos em uso com validade vencida.
Na visita feita à clínica, a Comissão de Direitos Humanos da Alerj constatou que a unidade tinha apenas um médico e duas enfermeiras. Em alguns quartos, não havia nem vasos sanitários: os pacientes faziam suas necessidades num ralo no chão. Uma representação foi enviada ao Ministério Público estadual, pedindo uma investigação para apurar responsabilidades. Na época, a Secretaria municipal de Saúde informou que um termo de intervenção estava em estudo pela Procuradoria Geral do Município. De acordo com o órgão, a medida permitiria “a colocação de equipe profissional e transferência, a médio prazo, dos pacientes internados.

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