Grandes potências relutam em intervir no país, exatamente como há 20 anos
Correspondente na Europa
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GENEBRA — Um conflito como o da Bósnia-Herzegovina — onde milhares de
civis foram massacrados entre 1992 e 1995, antes que a comunidade
internacional resolvesse agir — pode estar se repetindo hoje na Síria,
alertam especialistas ouvidos pelo GLOBO. Grandes potências relutam em
intervir — exatamente como há 20 anos, quando o mundo assistiu,
impotente, a homens, mulheres e crianças serem executados por milícias
independentistas apoiadas por um ditador, o líder sérvio Slobodan
Milosevic.
Christopher Phillips, da Universidade de Londres, não tem dúvida: o que se assiste hoje na Síria é a repetição da tragédia da Bósnia. E, como no passado, potências ocidentais não vão intervir — prevê — apesar do choque de imagens como a de dezenas de mulheres e crianças executadas na sexta-feira, em Houla.
— Olhando para os precedentes históricos, está claro que a Síria não é a Líbia, e que o massacre não vai levar à intervenção. O mais provável é uma situação como a da Bósnia, em que massacres aconteceram durante anos, com várias condenações, mas sem ação internacional.
Randa Slim, do Instituto do Oriente Médio, nos EUA, também vê similaridades com a Bósnia. Mas ela acha que a intervenção vai acabar acontecendo, e que o mundo ocidental não vai esperar anos de massacres, como no passado, para agir, porque a pressão hoje do público é muito maior.
— O limite da comunidade internacional para suportar atrocidades é bem menor hoje do que na época da Bósnia. A informação e as imagens correm nos iPods, iPads, nas redes sociais — argumenta.
Mas, até lá, haverá mais massacres na Síria, alerta a pesquisadora, explicando que o presidente Bashar-al Assad,só tem um plano no bolso: matar para sair da crise.
— Podemos ver até mais massacres, perpetrados pela oposição, porque a situação está ficando incontrolável. Mas não acho que vamos esperar muito tempo até uma intervenção — aposta.
Ano eleitoral nos EUA é obstáculo
Para Nadim Shehadi, da Chatham House, em Londres, uma Bósnia já está acontecendo na Síria. Segundo ele, a relutância da comunidade internacional em intervir agora vai custar caro mais tarde, pois a sociedade síria já estaria no caminho de uma guerra sectária. Na opinião de Shehadi, EUA e outros países do Ocidente, ao não quererem intervir agora para evitar um desastre como no Iraque, vão reproduzir exatamente isso: um Iraque.
— A intervenção tem de acontecer o mais rapidamente possível. As pessoas estão tirando a lição errada do Iraque: a ideia de que a intervenção leva ao caos. Mas a lição é outra: é a não intervenção que leva à destruição da sociedade depois que o regime cair — explica. — Saddam Hussein consolidou sua ditadura durante anos de guerra com o Irã, massacrou curdos e se manteve no poder depois de invadir o Kuwait porque a comunidade internacional não conseguia decidir-se a se livrar dele. As sanções destruíram a classe média, e o radicalismo e o sectarismo se instalaram. Quando finalmente decidiram tirá-lo, a sociedade já estava profundamente dividida. A Síria segue pelo mesmo caminho. Quanto mais o mundo demorar a agir, mais alto será o custo depois.
Com tantas vozes apostando numa intervenção, a pergunta, então, é como fica o plano de Kofi Annan, que depositou todas as fichas numa saída negociada entre Assad e a oposição. Christopher Phillips diz que o massacre de Houla “obviamente sugere que o governo sírio não está levando o plano Annan a sério”.
— Mas (o plano) é a única opção disponível no momento — pondera.
Para Phillips, ainda assim, o plano tem um mérito: é aceito por Rússia e China, dois aliados da Síria. Se Assad continuar com massacres, uma das saídas é armar a oposição.
— O problema é que não há nada que sugira que isso vá funcionar para derrubar o regime. Pode ajudar a acelerar uma guerra civil, o que o Ocidente também não quer — argumenta.
Já Randa Slim diz que o plano Annan “está morto desde que foi lançado”.
— O regime não vai negociar sua saída do poder. Ao contrário: está matando para ficar no poder. E não há grupo de oposição que possa concordar em negociar com este regime e depois dizer que tem credibilidade junto ao povo sírio, ainda mais depois deste massacre — diz.
Mas ela vê uma vantagem no plano: ele conseguiu que Assad aceitasse a presença de observadores da ONU, que, mesmo impotentes para agir, testemunham as atrocidades, evitando que o governo e seus aliados neguem sua ocorrência.
Slim, no entanto, alerta que o custo para o Ocidente de uma intervenção na Síria seria bem maior do que a de 2011 na Líbia. E o resultado seria também mais imprevisível — Assad tem apoio de Rússia e China e de parte da população. Ainda assim, ela acha possível a intervenção.
Já Phillips descarta esta possibilidade, alegando que o Ocidente sabe que a Síria não é isolada num deserto como a Líbia, havendo um risco maior de desestabilização regional se o país mergulhar em guerras sectárias. Mesmo que Rússia e China se unam ao Ocidente, Phillips não vê os EUA entrando num novo conflito em pleno ano de eleições presidenciais.
— Obama quer ser visto como o presidente que terminou a guerra no Iraque e acalmou o jogo no Afeganistão. Lançar-se numa campanha (na Síria) seria arriscado para ele — explica.
Randa Slim discorda: se a situação ficar insustentável, uma intervenção poderia ser decidida por Obama, mesmo que arriscada sob o plano político interno. Num ponto os dois analistas concordam: a oposição síria é uma barreira por estar fragmentada dentro e fora do país.
Christopher Phillips, da Universidade de Londres, não tem dúvida: o que se assiste hoje na Síria é a repetição da tragédia da Bósnia. E, como no passado, potências ocidentais não vão intervir — prevê — apesar do choque de imagens como a de dezenas de mulheres e crianças executadas na sexta-feira, em Houla.
— Olhando para os precedentes históricos, está claro que a Síria não é a Líbia, e que o massacre não vai levar à intervenção. O mais provável é uma situação como a da Bósnia, em que massacres aconteceram durante anos, com várias condenações, mas sem ação internacional.
Randa Slim, do Instituto do Oriente Médio, nos EUA, também vê similaridades com a Bósnia. Mas ela acha que a intervenção vai acabar acontecendo, e que o mundo ocidental não vai esperar anos de massacres, como no passado, para agir, porque a pressão hoje do público é muito maior.
— O limite da comunidade internacional para suportar atrocidades é bem menor hoje do que na época da Bósnia. A informação e as imagens correm nos iPods, iPads, nas redes sociais — argumenta.
Mas, até lá, haverá mais massacres na Síria, alerta a pesquisadora, explicando que o presidente Bashar-al Assad,só tem um plano no bolso: matar para sair da crise.
— Podemos ver até mais massacres, perpetrados pela oposição, porque a situação está ficando incontrolável. Mas não acho que vamos esperar muito tempo até uma intervenção — aposta.
Ano eleitoral nos EUA é obstáculo
Para Nadim Shehadi, da Chatham House, em Londres, uma Bósnia já está acontecendo na Síria. Segundo ele, a relutância da comunidade internacional em intervir agora vai custar caro mais tarde, pois a sociedade síria já estaria no caminho de uma guerra sectária. Na opinião de Shehadi, EUA e outros países do Ocidente, ao não quererem intervir agora para evitar um desastre como no Iraque, vão reproduzir exatamente isso: um Iraque.
— A intervenção tem de acontecer o mais rapidamente possível. As pessoas estão tirando a lição errada do Iraque: a ideia de que a intervenção leva ao caos. Mas a lição é outra: é a não intervenção que leva à destruição da sociedade depois que o regime cair — explica. — Saddam Hussein consolidou sua ditadura durante anos de guerra com o Irã, massacrou curdos e se manteve no poder depois de invadir o Kuwait porque a comunidade internacional não conseguia decidir-se a se livrar dele. As sanções destruíram a classe média, e o radicalismo e o sectarismo se instalaram. Quando finalmente decidiram tirá-lo, a sociedade já estava profundamente dividida. A Síria segue pelo mesmo caminho. Quanto mais o mundo demorar a agir, mais alto será o custo depois.
Com tantas vozes apostando numa intervenção, a pergunta, então, é como fica o plano de Kofi Annan, que depositou todas as fichas numa saída negociada entre Assad e a oposição. Christopher Phillips diz que o massacre de Houla “obviamente sugere que o governo sírio não está levando o plano Annan a sério”.
— Mas (o plano) é a única opção disponível no momento — pondera.
Para Phillips, ainda assim, o plano tem um mérito: é aceito por Rússia e China, dois aliados da Síria. Se Assad continuar com massacres, uma das saídas é armar a oposição.
— O problema é que não há nada que sugira que isso vá funcionar para derrubar o regime. Pode ajudar a acelerar uma guerra civil, o que o Ocidente também não quer — argumenta.
Já Randa Slim diz que o plano Annan “está morto desde que foi lançado”.
— O regime não vai negociar sua saída do poder. Ao contrário: está matando para ficar no poder. E não há grupo de oposição que possa concordar em negociar com este regime e depois dizer que tem credibilidade junto ao povo sírio, ainda mais depois deste massacre — diz.
Mas ela vê uma vantagem no plano: ele conseguiu que Assad aceitasse a presença de observadores da ONU, que, mesmo impotentes para agir, testemunham as atrocidades, evitando que o governo e seus aliados neguem sua ocorrência.
Slim, no entanto, alerta que o custo para o Ocidente de uma intervenção na Síria seria bem maior do que a de 2011 na Líbia. E o resultado seria também mais imprevisível — Assad tem apoio de Rússia e China e de parte da população. Ainda assim, ela acha possível a intervenção.
Já Phillips descarta esta possibilidade, alegando que o Ocidente sabe que a Síria não é isolada num deserto como a Líbia, havendo um risco maior de desestabilização regional se o país mergulhar em guerras sectárias. Mesmo que Rússia e China se unam ao Ocidente, Phillips não vê os EUA entrando num novo conflito em pleno ano de eleições presidenciais.
— Obama quer ser visto como o presidente que terminou a guerra no Iraque e acalmou o jogo no Afeganistão. Lançar-se numa campanha (na Síria) seria arriscado para ele — explica.
Randa Slim discorda: se a situação ficar insustentável, uma intervenção poderia ser decidida por Obama, mesmo que arriscada sob o plano político interno. Num ponto os dois analistas concordam: a oposição síria é uma barreira por estar fragmentada dentro e fora do país.
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